quinta-feira, 21 de outubro de 2010

I CARTA DE INSURGÊNCIAS

"O que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as teclas secas na úmida e escura madrugada. Há muito já não sou gente. Quiseram que eu fosse um objeto. Sou um objeto. Objeto sujo de sangue. Sou um objeto que cria outros objetos e a máquina cria a nós todos. Ela exige. O mecanicismo exige e exige a minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto, que seja um objeto que grita. Há uma coisa dentro de mim que dói. Ah, como dói e como grita pedindo socorro. Mas faltam lágrimas na máquina que sou. Sou um objeto sem destino. Sou um objeto nas mãos de quem? tal é o meu destino humano. O que me salva é grito. Eu protesto em nome do que está dentro do objeto atrás do atrás do pensamento-sentimento. Sou um objeto urgente."(Clarice Lispector em Água Viva)

          É chegada a hora de des-anestesiar. Já não sem tempo levantamos e, pouco a pouco, saímos dessa esteira que nos acomete diariamente. Permitir-se olhar para os lados, em meio a essa cegueira, é o suficiente para entender que estamos todos iguais, retos, neutralizados, mudos.
         Estar assim, nesse ambiente abafado e quiçá sufocante, demonstra que já não há como manter-se nessa artificial estufa que nos fecha em conhecimentos técnicos, dogmáticos, conservadores. É necessário ousar; é necessário sair-de-si.
         Dando as mãos para o primeiro passo, nossos conhecimentos separados foram reunidos em um liquidificador, tais quais frutas, interdisciplinares. Abraçados, nosso segundo passo foi o de ligar o liquidificador, quando compartilhamo-nos todos, deixando de estarmos juntos apenas externamente, no que notamos transdisciplinar. E agora, coloridos, misturados e inquietos, vemos com urgência a chegada do terceiro passo: levar esses conhecimentos para fora do ambiente acadêmico.
         A brutal desigualdade social na América Latina e o desgoverno da educação e dos serviços públicos clamam por ações. As ruas, os oprimidos e a poesia chamam a todos para o diálogo: a troca de saberes e experiências, na busca por outros mundos possíveis, faz-se essencial para que nos apropriemos do sentimento de urgência dos oprimidos.
         Nós objetos-gritantes do sul do sul do país, envoltos no sangue de séculos de dominação e subserviência e em fuga do congelamento sulino, saímos em grito, em coro, em ludicidade e tesão em busca da co-laboração e união, lutando contra a despolitização, a mecanicização e o neutralismo conservador. É chegada a hora de des-anestesiar.
         Des-anestesiar-se significa manter as veias abertas como memória e resistência; significa desacobertar verdades, normalidades, estufas, separações, messianismos; significa recolorir-se, reencantar-se, carnavalizar, entesar em melodias esse aquecimento coletivo que atravessa até as mais frias terras.
         É chegada a hora de des-anestesiar porque é chegada a hora de abrir os olhos para o que está nas ruas, sair-se povo, sentir-se povo e, com as dores do mundo e dos limites que certamente virão, prosseguir em busca que algum dia já não haja limites.


Em Pelotas/RS, inverno de 2010.

Serviço Universitário de Resistência e Justiça para Autonomia – SURJA

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DESPERTAR PARA AGIR: Assessoria Universitária Transdisciplinar

Serviço Universitário de Resistência e Justiça para Autonomia – SURJA



Como proposta inicial apresentaremos o "SURJA" através de um pequeno trecho do artigo elaborado pelos surjianos Lawrence Estivalet de Mello, Pablo Soares Herzberg e Sabrine Tams Gasperin.

O presente artigo, oriundo de discussões do Serviço Universitário de Resistência e Justiça para Autonomia (SURJA), busca levantar inquietações teóricas às Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs). Para tanto, solidifica bases referenciais, partindo da educação popular como prática emancipatória, para, a seguir, observar da necessidade da transdisciplinaridade  nessa prática, cujo agir político necessariamente será vinculado às realidades sociais.


           "Na busca pela implementação do SURJA – Serviço Universitário de Resistência e Justiça para Autonomia –, projeto estudantil vinculado à Universidade Federal de Pelotas, emergem perguntas tanto de ordem prática quanto de ordem conceitual. Tentaremos aprofundar algumas dessas problemáticas, com a intenção de provocar um debate sobre justificativas, possibilidades e limites de atuação de uma AJUP e, em especial, de uma assessoria transdisciplinar, e não tão-somente jurídica.
            O objeto, nesse sentido, é a educação popular praticada por estudantes universitários. Estudantes que não serão somente de um curso, mas de vários, visando à construção de uma educação plural e dialógica.
            A necessidade ou justificativa desse estudo é proveniente da convicção de que a educação popular se solidifica como uma prática construtora de consciência, no sentido emancipatório do termo, tanto de estudantes quanto da comunidade que com eles trocará experiências. Assim, necessário estudar-se essa educação popular feita nas universidades, pelas universidades, fora das universidades e para as universidades.
            Também é escopo deste artigo tecer uma investigação preliminar dos limites da educação popular quando trabalhada por disciplinas isoladas, sejam elas ciências sociais, sociais aplicadas ou naturais. Disso decorre, enquanto metodologia, uma proposta transdisciplinar de educação popular universitária – e portanto uma proposta transdisciplinar de agrupamento de estudantes em torno de estudos e referenciais para assessoria universitária popular.
            Observaremos, por fim, da importância de trabalharmos em diálogo com as realidades sociais, produzidas e resultantes de teias históricas diversas, para que entendamos da dificuldade de serem trabalhadas as opressões, plurais, distintas, entrecruzadas, como também de alguns pontos que as escondem, normalizam, naturalizam tanto na comunidade quanto nos estudantes.
Desse modo, esclarecidas as problemáticas envolvendo nossas noções de assessoria, porque educação popular, de universitária, porque mediada por estudantes de várias áreas, e de popular, porque atenta ás realidades sociais, resta lançar as primeiras palavras do SURJA, para que possamos lançar-nos juntos, cada vez mais de nós, a uma práxis emancipatória. [...]"

O SURJA pretente através deste BLOG multiplicar a ideia da Assessoria Popular, bem como divulgar os trabalhos desenvolvidos pelo grupo e os textos produzidos por cada Surjiano.